quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Pensando - a dor de "Uma Duas"



Beatriz Alessi é jornalista e cidadã do mundo, como a maioria dos mineiros. Contadora de histórias, acha que a vida de toda mulher daria um grande filme – ou pelo menos uma modesta crônica.

Publicado em www.tempodemulher.com.br

Como mães ou como filhas - e também como mulheres - estamos sempre tentando aprender a amar, ainda que do jeito errado.
Beatriz Alessi
13/8/201
 
Às vezes é reconfortante ouvir de uma mulher inspiradora como Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza e mãe de três filhos, que ela chegou até aqui "mais ou menos sem culpa". Sim, porque a culpa é praticamente uma condição sine qua non da maternidade, na acepção moderna do termo.

Que mãe não se culpa hoje em dia por não passar mais tempo com os filhos, por ter que se dividir entre a casa e o trabalho e perceber, com um gosto amargo na boca, que muita coisa se perdeu no meio do caminho? Não, não é fácil desvestir essa culpa! Ela é parte do preço que temos que pagar pelas conquistas que nos trouxeram até aqui. Em maior ou menor grau, temos que conviver com esse mal-estar inerente à nossa condição de mães "possíveis".

O comentário de Luiza Helena, feito durante o evento inaugural do Tempo de Mulher, me tocou porque vivo diariamente o exercício da maternidade e porque ainda estou arrebatada pela leitura de "Uma Duas", livro de estreia da jornalista Eliane Brum na ficção. Cronista do cotidiano, acostumada a se debruçar sobre histórias reais, Eliane Brum pinta, em "Uma Duas", um doloroso e comovente retrato da relação mãe e filha - uma relação visceral de amor e ódio, escrita em sangue. "Não há como escapar da carne da mãe. O útero é para sempre" - sentencia ela.

O livro conta a história da jornalista Laura e da mãe, Maria Lúcia, forçadas a conviver uma com a outra por causa da doença da mãe. A convivência reabre as velhas feridas e faz aflorar ressentimentos com a mesma urgência com que Laura tenta se "livrar" da carne da mãe.

Inicialmente concebido para ter apenas uma narrativa - a da filha - o livro se transforma a partir do relato da mãe. Segundo a autora, a narrativa da mãe se impôs como um chamamento que não foi possível ignorar. E é aí que "Uma Duas" nos arrebata pela profunda humanidade. Ora como mães, ora como filhas, nos vemos diante da dor inescapável, a dor de saber que a vida, às vezes, é um grande mal-entendido, uma jornada ainda mais sem sentido sem os grilhões que parecem nos aprisionar.

"Como é possível odiar e amar ao mesmo tempo? É o que sinto por Laura, um amor que odeia ou um ódio que ama" - diz a mãe. "De repente compreendo que minha mãe vai me deixar. Que não haverá mais uma mãe para odiar. E que eu não sei o que fazer da minha vida sem ela" - reconhece a filha.

Eliane Brum diz ter ouvido suas vozes subterrâneas para trazer à luz realidades que só a ficção é capaz de suportar. Não, o amor de mãe não é incondicional. "Acho que nunca quis ser mãe, nem de Laura, nem de ninguém" - admite Maria Lúcia. Para depois emendar: "Não é porque a gente não saiba como fazer as coisas do jeito certo que a gente não ame".

Como mães ou como filhas - e também como mulheres - estamos sempre tentando aprender a amar, ainda que do jeito errado. Quando nos defrontamos com o passado de Laura e depois com o de Maria Lúcia, com todas as dores e decepções embutidas em cada um, vemos que, no fundo, somos o que conseguimos ser: mães e filhas "possíveis". E que a vida será tão menos desprovida de sentido quanto mais insistirmos em tentar.

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